Matéria de Sara Kaplan (traduzida e adaptada) do blog Speaking of Science
O fundo do poço foi uma terça-feira em Junho.
Foi um mês difícil, meu quinto no turno da noite. Eu estava com uma média de três ou quatro horas de sono por dia e que eram irregulares e fracionadas, com sonhos selvagens provocados pela melatonina que eu estava tomando, e eu acordava duas horas depois de ir para a cama. A luz do sol entrava pelas bordas da cortina blackout.
Eu rolei para olhar para o relógio – 10 da manhã – e comecei a fazer os cálculos, que se tornam inerentes quando você é um trabalhador noturno com um problema de insônia. Eu tinha que estar no trabalho em 11 horas. E se eu quisesse fazer qualquer coisa no trabalho, eu tinha de conseguir uma boa noite de – quer dizer dia de – sono, agora.
Fechei os olhos e tentei levar meu corpo ao inconsciente.
Mas ele não veio. Ou pelo menos, não quando eu queria. As várias estratégias de indução do sono eu tentei, como: música relaxante, mantras, ioga, meditação, chá de camomila – mas eram apenas paliativos. Remédios com prescrição médica me deixaram grogue e não me ajudaram a descansar como antes. Quando eu finalmente consegui dormir, era meia-noite, na minha mesa, minha bochecha estava presa às teclas do meu notebook. E meu chefe, abençoado, me mandou para casa mais cedo.
O turno da noite em um jornal tem muitas coisas maravilhosas – é emocionante, libertador, desafiador, cheio de histórias bizarras e excelente camaradagem - mas saudável não é uma delas. Nos 14 meses que passei na equipe do Post´s Morning, trabalhando das nove horas da noite até às seis horas da manhã, cinco dias por semana, meu cabelo caiu e minha memória de curto prazo se desintegrou. Eu tinha os hábitos de sono de um bebê com cólica, acordando a cada hora, e disposição pior que um bebê doente. Para ser honesta, eu admito que nesse momento eu chorei igual a um bebê.
Se isso soa um pouco patético - bom, eu não posso discutir com você. Nessa terça-feira em junho, me senti bastante patética.
Mas muito dos 15 milhões de americanos que trabalham no turno da noite, na madrugada ou por muitas horas seguidas, já sentiu o mesmo em algum ponto. Eles são guardas de segurança, bombeiros, garçonetes, médicos, enfermeiras, gerentes de hotéis e, sim, jornalistas, e todos nós enfrentamos a mesma tarefa frustrante lutando para ficar acordado quando nossos corpos não aguentam mais.
Para a maioria de nós, não é uma luta fácil.
Os cientistas ainda não responderam exatamente porque os animais precisam do sono, mas é fato notório que precisamos. Na década de 1980, foi feito um estudo com ratos que foram privados de sono por 30 dias - e todos eles morreram. Em pessoas, a falta de sono ou insônia de curto prazo pode causar aumento da pressão arterial e fazer a temperatura corporal cair; enfraquece a imunidade e prejudica a função cognitiva.
Panda gigante Mei Xiang, dormindo no Smithsonian National Zoo. (Michael Reynolds/EPA) - https://img.washingtonpost.com/wp-apps/imrs.php?src=https://img.washingtonpost.com/rf/image_908w/2010-2019/WashingtonPost/2015/08/19/Local/Images/04880216.jpg&w=1484
Praticamente tudo no corpo humano está encaixado e programado para nos ajudar a descansar durante a noite, começando com os olhos. Um estudo realizado no início dos anos 2000 descobriu que os nossos olhos têm células especializadas - chamadas de “células ganglionares fotossensíveis da retina" - que alertam o nosso cérebro para a quantidade e qualidade de luz em que estamos imersos. Curiosamente, elas funcionam mesmo em pessoas que são deficientes visuais. É por isso que as pessoas cegas são capazes de manter um ritmo dia-noite, embora eles não possam ver a luz. Por outro lado, as pessoas que perderam a visão por completo, por um tumor ou acidente, ficam com o ciclo do sono desorientado.
Quando eles sentem a luz, as células ganglionares da retina enviam um sinal para uma parte do cérebro que serve como relógio principal do corpo, o núcleo supraquiasmático. O núcleo supraquiasmático é o maestro da sinfonia diária que é o nosso ritmo circadiano. Embora nós associássemos este ciclo essencialmente com o sono (ou, para alguns trabalhadores noturnos, a falta dele), ele faz muito mais, como: regular a temperatura corporal, a pressão arterial, a liberação de hormônios, a capacidade cognitiva. Cada variação é programada para acontecer quando precisamos dela. Até mesmo nossas células estão marcando o tempo; os genes chamados CLOCK produzem proteínas em um ciclo de 24 horas.
Um ciclo que vai como que crescendo, e em torno das 23 horas, quando a 'pressão de sono' que foi lentamente se acumulado ao longo do dia, chega a uma espécie de acordo com os vários sinais químicos provenientes de nosso sistema circadiano e: É hora de ir para a cama.
"O ritmo circadiano é sobre todos os aspectos da nossa fisiologia e comportamento", diz Russell Foster, cadeira de neurociência circadiana da Universidade de Oxford. "E a luz é extremamente importante no bloqueio do ritmo interno para o mundo externo."
No entanto, se você bagunçar a luz, toda a sinfonia fica fora de ritmo. O trabalhador que sai do trabalho às 6:30 da manhã, com o nascer do sol, começa a sentir a pressão sanguínea subir e também a concentração aumentar, ainda que a pressão de sono diga para relaxar. Dividido entre os dois impulsos, o sono vai se tornar irritantemente evasivo.
É assim que uma pessoa se sente ao deitar na cama às 10 horas, amaldiçoando a luz do sol. E 14 horas mais tarde, quando está escuro e seu ritmo circadiano está iniciando o ciclo do sono, é como a mesma pessoa acaba roncando em sua mesa.
Naturalmente, é possível substituir os ritmos naturais do corpo. E se nós queremos ter médicos de plantão, enfermeiras e as notícias 24 horas, é necessário.
Mas fazemos isso com um grande custo para a saúde pública, diz a epidemiologista Eva Schernhammer. Por mais de uma década, ela tem trabalhado com o Estudo de Saúde das Enfermeiras de Harvard - um estudo longitudinal de um dos grupos mais conhecidos de trabalhadores em turnos - para entender como ficar a noite toda acordado pode levar à doença crônica. Para um trabalhador noturno, recentemente recuperado, seus resultados soam sombrios.
"Os efeitos do trabalho em turno são tantos, que é realmente um desafio recomendar aos trabalhadores com o que eles devem se preocupar", disse ela.
Mas eis algumas delas: “Trabalhadores de turnos enfrentam um maior risco de diabetes, câncer" – o trabalho de Schernhammer ajudou a Organização Mundial de Saúde a classificar o trabalho por turnos como cancerígeno em 2007 - "hipertensão, ganho de peso, problemas de saúde mental, doenças do coração”.
Felizmente para mim, o aumento dos riscos é pequeno, especialmente se sua privação noturna é relativamente breve. E quando você olha para as pessoas que têm trabalhado no turno da noite durante décadas, e calcula o custo do trabalho por turnos para a saúde pública em geral, os perigos começam a se somar.
Os cientistas não têm uma solução clara para os problemas dos trabalhadores de turnos. Schernhammer aconselha os pacientes a fazer o seu melhor para eliminar outros fatores de risco nos seus estilos de vida - como fumar, não praticar exercícios e ter má alimentação. (Então todas aquelas refeições de fast food consumidas, nas noites que me esqueci de trazer o meu almoço para o trabalho, eram provavelmente uma má ideia.)
Os estudos mostraram que manter as luzes do escritório brilhantes durante a noite e reduzir a exposição à luz natural na parte da manhã, pode ajudar a ajustar o ritmo circadiano, apesar de que é mais fácil dizer do que fazer - ao menos que você queira ir para casa com os olhos vendados. Os trabalhadores noturnos também são aconselhados a não tentar mudar a rotina durante os dias nos finais de semana e feriados, mas é difícil para qualquer pessoa com uma família ou uma vida social.
E tem a melatonina, um hormônio normalmente liberado pela glândula pineal depois do pôr do sol e durante toda a noite, que pode ser tomado como um suplemento para ajudar as pessoas a adormecer. Tomei melatonina durante todo meu tempo no jornal, por recomendação médica, mas Schernhammer e Foster advertiram que é uma ajuda temporária. A melatonina é mais um marcador da escuridão do que um indutor de sono, disse Foster, e seus efeitos para a saúde, a longo prazo, ainda não são claros.
Em vez disso, Foster acredita que o futuro da terapia do sono vai se concentrar em uma proteína chamada SIK1. Em uma pessoa comum, a proteína funciona como um estabilizador do ritmo circadiano, evita que o corpo se ajuste rapidamente às alterações no ambiente. Mas Foster e seus colegas descobriram que ela pode ser bloqueada em camundongos, para acelerar o processo de superação do jet lag (jet lag simulado em laboratório, claro - os ratos não ganharam agradáveis férias no Havaí). Em trabalhadores por turno, ela pode ser manipulada para ter o efeito oposto, mantendo o ritmo circadiano constante apesar dos sinais contraditórios ou misturados do mundo exterior.
Isto também é relevante para outras pessoas. Aqueles com doenças mentais e doenças degenerativas estão mais propensos a alterações de ritmos, que exacerbam suas doenças. Ajuda-los a voltar a dormir, pode ajudar a aliviar uma quantidade imensa de sofrimento.
Para o bem deles, vou continuar torcendo por melhores terapias para o sono. Mas eu espero nunca precisar delas novamente. A partir desta semana, eu sou jornalista do blog Post's Speaking of Science, que opera gloriosamente durante o dia. Estou ansiosa para chegar algumas boas histórias, um belo bronzeado e, finalmente, uma boa noite de sono.
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