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As vivacidades do envelheSER


O mês de Julho e a vivacidade das férias escolares riscaram o céu com pipas, coloriram parques, cenários urbanos, zumbiram silêncios decantados . Neste mesmo mês de Julho, minha avó , de passos curtos, cabelos docemente brancos, soprou, depois de um longo piscar de olhos, a vela acessa de seus 90 anos.

Sentir esses espaços é como dar uma freada brusca no ritmo da existência. A diversidade que a subjetividade provoca já é interessante, mas adicionar a ela variáveis reais como idade e conviver afetivamente com representantes tão próximos, no caso, sobrinhos entre 1 e 6 anos e avós na faixa dos 90, faz aproximação de certo gosto antagônico de finitude.

Atravessar esses planos da agitação dos corpos que de dentro pra fora crescem para aqueles que de fora pra dentro decrescem fez me escolher o filme para este texto e falar sobre o que vem no rastro do (e no) tempo: o envelhecer. Aqui o tema escolheu o filme e não o contrário.

A primeira referência de produção cinematográfica que me veio foi O Curioso Caso de Benjamin Button, produzido em 2008, nos Estados Unidos, baseado no conto homônimo de F. Scott Fitzgerald (1921) e dirigido por David Fincher , ganhador do Globo de Ouro em 2011 por The Social Network.

Essa superposição de vivência e temporalidade que as cenas de Julho trouxeram, faz curiosa ressonância com a proposta do filme: contar a história de um bebê que nasce velho, mais ou menos na faixa de 80 anos, cresce em direção à juventude e infância, morrendo exatamente na figura de um bebê normal.

O fato de viver essa “infância invertida” num asilo, ser aventureiro em alto mar, apaixonar-se desde “cedo” por uma menina que o reconhece como tendo uma alma criança num corpo de velho e que o acompanha até sua “morte bebê”, alimenta o aspecto dramático do enredo. Vale a pena também conferir o trabalho de maquiagem da produção.


Ademais, essa provocante deslinearidade eleva a condição da existência sob um ponto de vista de expectativa de vida invertida. O protagonista tem seus cabelos escurecidos, seu corpo se revitalizando, sua pele esticando. É muito interessante (e bizarro) acompanhar essa trajetória do protagonista e seus desfechos.

O envelhecer fora da tela de cinema, parte de um processo de desconstrução, onde o real devolve sua materialidade à terra- os dentes, cabelo, pele. Pode diminuir eficácia da visão e audição. Mas, aí a grande contribuição da arte: inspirar metáforas, regar o ser desejante – o envelheSER.

A cada falta, uma aprendizagem, uma satisfação de vida e rejuvelhecimento espécie de acordo entre alma e o corpo. A busca de uma nova forma de satisfazer-se com o real. Qualidade de vida, do sono, da manutenção da memória.

Um filme intrigante, ponto de intersecção entre os olhares de minha avó e minha sobrinha. Espaço enigma, que limita e eterniza o tempo, como um sonho que quer desvendar a vida e a morte.

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