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A Garota Dinamarquesa: ser mulher é mais que uma conquista


O Oscar pode ser um dos contextos mais fáceis e divertidos aos amantes e curiosos do cinema na escolha e debates de filmes. Tenho, há algum tempo, o hábito de fazer da lista dos indicados um sumário de deleite, apesar de saber que nem sempre os indicados são os melhores do circuito. Claro, como em qualquer instituição, há política e interesses que acabam, certamente, incidindo nas escolhas e a Academia de Cinema não sairia ilesa.

De qualquer forma, dos cinco filmes que assisti, a Garota Dinamarquesa, essa garota, provocou beleza e angústia suficientes para algumas linhas neste cantinho do cinéfilo.

O enredo é baseado no romance homônimo de David Ebershoff e inspirado na vida das pintoras dinamarquesas Lili Elbe e Gerda Wegener. Lili, parece ter sido a primeira mulher transexual a se submeter à cirurgia de mudança genital, em pleno início do século XX.

E é, justamente, no desenrolar dos bastidores deste desejo em esculpir os contornos e experiências corporais e sociais do qual ele se reconhece e quer gozar, viver, que o filme tece imagens e diálogos fascinantes. O espectador, gradativamente, segue os passos, ora de salto e meia calça, ora de sapatos, da dura jornada de um corpo masculino, casado, que encontra escoamento, descoberta e nome nos espaços onde sua esposa, Gerda (personagem que presenteou Alicia Vikander, com Oscar de melhor atriz coadjuvante), o convida a ser de modelo das pinturas femininas, que aos poucos sai do enquadre para as calçadas e festas da moralista sociedade europeia.

Num curso rápido que fiz no Sesc sobre crítica e cinema, um dos especialistas mencionou que realizar um bom filme é, além de todas as teorias técnicas e afins, conseguir transmitir exatamente o que se quer por meio de imagens, focos, ângulos.

Então, volto à cena onde Einar (nome de cartório de Lili) posa de modelo para a esposa, encontrando lá uma síntese muito preciosa.

Conto a vocês: apesar de rápida (para comprimir aquela sensação de “estar saindo dos padrões convencionais”) existe muito foco nas mãos e olhos passando delicadamente nos tecidos das roupas de ensaio.


A Garota Dinamarquesa
A Garota Dinamarquesa

Essa topografia, essa tessitura, esse movimento sinuoso, certamente, faz compartilhar entre os sujeitos de dentro e fora da tela a mensagem de metamorfose e (des)encontro corpo/identidade, no que mais tarde culminará, digamos, na encarnação do desejo de ser e estar mulher, e todo desafiante trajeto recoberto do imaginário social, passando inclusive, por diagnostico de esquizofrenia e violência física.

Este filme estadunidense (pasmei!! porque geralmente minhas produções preferidas não são do tio Sam) transborda os olhos e a alma pela junção de um roteiro interessante, de estética delicada, poética, figurino e atuações brilhantes que eleva a produção cinematográfica e nos presenteia e sensibiliza a saber, mais uma vez, sobre a dura dignidade de desejar.

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