O medo é um dos fatores que pode levar a dificuldade de iniciar o sono ou mesmo a comportamentos de esquiva de dormir, e consequentemente podem prejudicar uma boa noite de sono em crianças. Crianças com medos noturnos geralmente só conseguem adormecer acompanhados, ao despertar a noite solicitam atenção dos pais e muitas vezes ficam acordadas sozinhas durante a noite. Estima-se que cerca de 20% da população infantil apresenta medo noturno severo e problemas de sono (Gordon, King, Gullone, Muris & Ollendick, 2007).
Os tipos de medos noturnos variam de acordo com a idade, crianças pré-escolares, por exemplo, apresentam medos do escuro, de ficarem sozinhas, de monstros e de coisas imaginárias. Os medos das crianças em idade escolar estão associados a perigos reais como ladroes, violência, etc. (Câmara, Pires, & Pinheiro, 2014). Em diferentes idades o medo de perder os pais também é presente.
Medos noturnos são comuns durante o desenvolvimento infantil, quando aparecem de forma branda e transitória podem ser superados pela maioria das crianças. Entretanto, para algumas crianças, o momento de ir para a cama representa uma grande dificuldade, associada ao medo noturno severo e recorrente, ansiedade e sofrimento para a criança e sua família (Gordon, et al., 2007; Kushnir & Sadeh, 2012).
O medo recorrente pode causar um impacto negativo no desenvolvimento infantil, podendo prejudicar o sono, o comportamento diurno, levar ao cansaço, a problemas sociais, a problemas de relacionamento, preocupações e ansiedade no decorrer da infância, podendo persistir também na adolescência (Muris, Merckelbach, Mayer & Prins, 2000). Por isso, quando os medos são persistentes e recorrentes faz-se necessária uma avaliação profissional, uma vez que medos intensos podem estar associados com o diagnostico de ansiedade infantil.
Uma questão importante é que o comportamento dos pais, tais como ficarem próximos à cama da criança devido aos medos dela durante a noite, ser demasiadamente protetores e não incentivarem a independência infantil, podem favorecer o desenvolvimento e manutenção dos medos (Stewart & Gordon, 2014).
Câmara, Pires e Pinheiro (2014) apontam algumas estratégias importantes para os pais em relação ao medo noturno da criança:
- Programas de TV com conteúdos assustadores devem ser evitados, principalmente momentos antes de dormir;
- Utilizar uma luz pode deixar a criança mais segura, como uma pequena lanterna ou um abajur;
- É importante que os pais passem segurança para criança, escutando-a, tranquilizando-a e demonstrando que o quarto e a cama da criança são seguros;
-Se os medos forem intensos e persistentes, os pais devem procurar ajuda profissional.
Histórias infantis com modelos de encorajamento e enfrentamento de problemas podem ser eficazes para os medos noturnos (Lewis, et al., 2015). Um objeto transacional, como uma pelúcia ou um boneco que representa segurança e apego também pode auxiliar a criança a enfrentar os medos durante a noite. Kushnir e Sadeh (2012) apontaram benefícios na redução dos medos noturnos e melhora da qualidade do sono em crianças que utilizaram um filhote de pelúcia como estratégia para enfrentar o estresse associado ao medo durante a noite.
As estratégias de enfrentamento do medo varia conforme a idade, e de criança para criança. O profissional junto a família elegem a melhor estratégia de acordo com as particularidades daquela criança. A atitude encorajadora por parte dos cuidadores é de extrema importância, por isso recomenda-se que os pais motivem suas crianças em comportamentos independentes no momento de dormir e que incentivem suas crianças a enfrentar seus medos. Para a aquisição e manutenção de comportamentos independentes e de enfrentamento é importante que tais atitudes sejam seguidas de recompensas, como elogios, atenção, etc.
Referências:
Câmara, R.L., Pires, M.L.N., & Pinheiro, D.C.A.(2014). Coisas diferentes podem acontecer: medo noturno, pesadelo, terror noturno e sonambulismo. In: M.L.N.Pires & E.F.M. Silvares (Orgs). O sono da criança: um guia para qualidade do sono infantil. (pp.8-16). Assis: Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” UNESP, Campus de Assis.
Gordon, J., King, N., Gullone, E., Muris, P. & Ollendick, T. (2007). Nighttime fears of children and adolescents: Frequency, content, severity, harm, expectations, disclosure, and coping behaviours. Behaviour Research and Therapy, 45(10): 2464-2472.
Kushnir, J. & Sadeh, A. (2012). Assessment of brief interventions for nighttime fears in preschool children. European Journal of Pediatrics, 171(1): 67-75.
Lewis, K. M., Amatya, K., Coffman, M. F. & Ollendick, T. H. (2015). Treating nighttime fears in young children with bibliotherapy: evaluating anxiety symptoms and monitoring behavior change. Journal of Anxiety Disorders, 30: 103-112.
Muris, P., Merckelbach, H., Mayer, B. & Prins, E. (2000). How serious are common childhood fears? Behaviour Research and Therapy, 38(3): 217-228.
Stewart, S. E. & Gordon, J. E. (2014). Parent-Assisted Cognitive-Behavioural Therapy for Children's Nighttime Fear. Behaviour Change, 31(4): 243-257.
Renatha El Rafihi-Ferreira é psicóloga, mestre em análise do comportamento e doutora em psicologia clínica pela USP, com ênfase em sono. Pós-doutoranda do Laboratório de Terapia Comportamental (LTC) da USP, do grupo de atendimento em clínicas-escola da ANPEPP. Engajada com a prevenção e o tratamento de problemas de sono em crianças e adultos.
Comments