renatharafihif

14 de jul de 20163 min

Sono e comportamento: uma relação recíproca desde a infância

Dormir mal atrapalha a funcionalidade diurna, pois leva à prejuízos cognitivos, acadêmicos, comportamentais e de humor. Em contrapartida, problemas comportamentais e de humor também podem prejudicar o sono noturno. Esta relação entre sono e comportamento levanta a seguinte questão: O sono prejudica o comportamento ou o comportamento prejudica o sono?

A resposta é que ambos se afetam. Trata-se de uma relação bidirecional, de modo que uma má qualidade de sono pode acentuar problemas de comportamento e emocionais e vice-versa.

Entre os adultos, estados de humor tais como a ansiedade ou a depressão, em maior ou menor grau psicopatológico, apresentam estreita relação com a insônia. A insatisfação e os problemas de sono crônicos ou recorrentes podem se constituir como causa e ao mesmo tempo efeito de outros problemas de humor ou de comportamento.

Esta associação é uma evidência e sinaliza a importância de se identificar e tratar problemas de sono. Assegurar um sono de qualidade é assegurar integridade mental e física. A melhora do sono pode levar também à melhora de outros problemas ou estados fisiológicos e emocionais.

E a identificação dos problemas de sono deve ser precoce e ocorrer na infância. Não é incomum crianças que dormem mal, ou que dormem pouco, também apresentarem problemas em comportamentos diurnos.

A imagem foi extraída de uma reportagem publicada em 2012, no site thestar.com, sobre um estudo conduzido na McGill University, em Montreal, no Canadá. Os pesquisadores fizeram experimentos com crianças e adolescentes e viram que um aumento de 27 minutos no tempo total de sono já era suficiente para melhorar problemas de comportamento em casa e na escola.

Em outro estudo longitudinal, publicado em 2008 na Archives of Pediatrics and Adolescent Medicine, Gregory e colaboradores demonstraram que crianças que dormem mal durante a fase de desenvolvimento, na juventude, apresentam mais problemas de comportamento, tais como agressividade e ansiedade. Esses dados apontam para a persistência dos problemas de sono durante o desenvolvimento do indivíduo.

Será que os pais estão atentos ao sono dos seus filhos? Estão cientes de que noites mal dormidas podem trazer prejuízos comportamentais? Com que idade é possível identificar os problemas de sono?

Para responder a essas e outras questões, desenvolvemos um estudo para avaliar problemas de sono e de comportamento em crianças pré-escolares, viabilizado por uma parceria entre pesquisadores do Instituto de Psicologia da USP, do Laboratório de Psicologia da Saúde e do Sono (LAPSS) da UNESP-Assis e da Clínica Psicológica da UEL, onde os dados foram coletados. O trabalho foi recentemente aceito para publicação na revista Psicologia: Teoria e Prática (Rafihi-Ferreira, Silvares, Pires, Assumpção-Junior e Moura, no prelo).

Vimos que os prejuízos no sono favorecem a ocorrência de comportamentos externalizantes (aqueles voltados para o ambiente externo, como quebra de regras e agressividade) e comportamentos internalizantes (voltados para si mesmo, como retraimento, queixas somáticas, ansiedade ou depressão).

E que a identificação dos fatores que favorecem os problemas de sono é a chave de uma intervenção efetiva.

Por esta razão, a avaliação deve ser minuciosa e deve incorporar o uso de múltiplos informantes (paciente, familiares, profissionais de saúde) e métodos (entrevistas clínicas, diários de sono, questionários) e considerar as relações recíprocas entre sono e comportamentos (Alfano & Gamble, 2009).

Na infância, fatores como a saúde mental dos pais, relacionamento pais-filhos, ambiente e rotina familiar devem ser explorados. Em idade escolar, a investigação se estende também a outros ambientes que a criança interage, como escola e relacionamento entre pares. Na idade adulta, a atenção é dada a constante interação entre fatores de predisposição, precipitação e perpetuação. Sempre considerando a multifatoriedade na gênese dos problemas de sono.

Em alguns casos, o sono pode melhorar com o tratamento adequado, enquanto que em outros, as dificuldades com o sono podem persistir mesmo na presença de outras melhorias. Os profissionais devem avaliar o sono continuamente e encaminhar o paciente para profissionais especializados, em particular quando os problemas de sono não respondem aos esforços de intervenção.

Referências

Alfano, C.A., & Gamble, A.L. (2009). The Role of Sleep in Childhood Psychiatric Disorders. Child Youth Care Forum, 38(6): 327–340.

Gregory, A. M., Ende, J. V., Willis, T. A., & Verhulst, F. C. (2008). Parent-reported sleep problems during development and self-reported anxiety/depression, attention problems, and aggressive behavior later in life. Archive of Pediatrics & Adolescent Medicine, 162(4), 330- 335.

Rafihi-Ferreira, R., Silvares, E.F.M., Pires, M.L.N., Assumpção-Junior, & Moura (no prelo). Sono e Comportamento em Crianças Atendidas em um Serviço de Psicologia. Psicologia: Teoria e Prática.

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